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    Tuesday, November 18, 2008


    José Antunes

     


    Dante Alighieri foi um dos maiores vultos intelectuais da época pré-renascentista. Contemporâneo de personagens célebres da Europa, como Giotto, Marco Polo, Afonso X o Sábio, etc., é considerado como o autor mais importante da língua italiana. Viveu numa época muito conturbada na península itálica, as cidades guerreavam-se entre si, e dentro das próprias cidades não havia a melhor coesão política.

    Nascido na cidade de Florença em Maio de 1265 vai sofrer as conturbações e incompreensões dos seus conterrâneos. O seu pai era um pequeno proprietário de terras e sua mãe morreu pouco anos após Dante ter nascido. O pai teve um novo casamento do qual nasceram mais três filhos com os quais Dante teve sempre boas relações. Aos nove anos avista pela primeira vez a pequena Beatriz, poucos meses mais nova do que ele, que irá ser a musa inspiradora do futuro poeta.

    Frequentou as escolas de Florença mas o maior contributo para a sua formação foi o contacto com Brunetto Latini, homem apaixonado pelas letras que frequentara os maiores centros culturais da Europa. Aos 18 anos volta a encontrar Beatriz que o inspira para a criação de poesia, iniciando-se a sua actividade como escritor. Fazendo parte dos feditori, os cavaleiros destinados ao assalto, defendeu valorosamente a sua cidade.

    Em 1290 morre Beatriz, o que causa a Dante grande perturbação levando-o a procurar reconforto na leitura de autores clássicos. Casa depois com Gemma Donati, a quem a família o ligara desde criança, procurando assim uma estabilização familiar, continuando no entanto a sua actividade nos círculos intelectuais de Florença.

    Florença passava nesta época algumas conturbações políticas. Era notória a rivalidade entre a nascente burguesia e a velha nobreza, representadas por duas poderosas famílias: os Cerchi e os Donati. Aqueles fizeram grande fortuna com o comércio, enquanto que os Donati eram ricos, pertenciam a uma antiga estirpe. A rivalidade acentua-se com a luta pelo poder político na cidade.

    É nesta altura que Dante entra na política ocupando um cargo público. Situação difícil para a natureza de um homem como Dante, pois tentando-se sobrepôr a todo o tipo de facção para que realmente prevalecessem os interesses da cidade, acabou por tomar partido pelos Brancos (assim eram designados os que tinham o partido dos Cerchi, enquanto que a outra facção eram denominados de Negros) para se opôr aos interesses de Bonifácio VIII, que tinha o objectivo de se apoderar da Toscana e que dava apoio aos Negros.

    Em 1301 é enviado a Roma como membro de uma embaixada. O papa, tendo-se apercebido de que Dante era um temível adversário dos seus interesses, não o deixou partir. Entretanto a situação muda bruscamente em Florença. Os Negros vencem, expulsam os Brancos incendiando as suas casas e condenam os ausentes à revelia.

    Inicia-se assim um exílio que irá manter o célebre florentino longe da sua pátria por toda a vida. Irá percorrer toda a Itália sonhando sempre com o regresso à pátria e com uma ideia avançada para a época: a unificação de toda a península.

    Em 1310 vai à Itália Henrique VII do Luxemburgo, o poderoso Imperador que irá tentar pacificar as cidades italianas, unificando-as sob o seu domínio. Mas são os próprios florentinos que desencadeiam um movimento oposto a esta ideia e que depressa alastrou por toda a Itália pondo fim a esta tentativa.

    Percorrendo cidade após cidade, Dante passa os últimos anos de sua vida na cidade de Ravena onde, diz-se, terá tido uma cátedra na Universidade desta cidade. Em 1321, no regresso de uma viagem a Veneza, onde fora como embaixador do senhor de Ravena, Dante adoece, vindo a desencarnar na noite de 13 de Setembro.

    Homem de qualidade superiores, Dante vai-se imortalizar através da sua vasta obra, e mais concretamente através da “Divina Comédia”, que o tornou um dos grandes escritores de todos os tempos.

    Abrangendo áreas desde a retórica até à política, passando pela poesia, Dante transmite-nos não só a experiência de um homem da sua época com uma vida atribulada, mas também as vivências e inquietudes do Homem de sempre.

    A sua primeira obra, “Vida Nova”, é um trabalho em poesia e prosa cujo tema é o seu grande amor por Beatriz. As poesias são ou comentadas ou introduzidas por textos escritos em prosa onde Dante narra o seu elevado sentimento de amor. Não um amor inferior mas um amor platónico que o poeta descobre dentro de si e que transmite através dos versos. Este amor por Beatriz alcançará uma dimensão mais elevada na última parte da “Divina Comédia”.

    “O Convívio”, composto nos anos que vão de 1304 a 1307, é uma das primeiras obras que Dante escreve fora da sua terra natal. Obra em que o autor demonstra o seu vasto conhecimento e saber, é escrita em prosa e os temas são extraídos de pequenas composições poéticas que o precedem. Dante projectará “O Convívio” para 15 tratados mas apenas foram escritos 4, sendo o primeiro uma introdução.

    Escrito em italiano comum, o primeiro do género, pois na época obras deste cariz eram escritas em latim, Dante tenta fazer chegar o conhecimento a todos os homens, desde príncipes, barões, cavaleiros e muitos outros nobres, até ao povo, não só homens mas também mulheres.

    De realçar nesta obra o conceito de nobreza que “é a perfeição da própria natureza em cada coisa”, não se herda, não provém da estirpe, nem do tempo, nem das riquezas, mas da Alma, e compreendem em si, além das virtudes morais e intelectuais, as boas disposições naturais, a bondade, os sentimentos generosos. Ela, a nobreza, é depois sublimada pela graça santificante, e torna-se semente de vida feliz, que se desenvolve, primeiro naturalmente e depois racionalmente, “até levar até Deus a Alma por Deus criada”.

    “A Vulgar Eloquência” é um tratado de filologia ou ciência da linguagem. Composta por dois volumes, Dante analisa a linguagem como tendo uma única raíz que se foi multiplicando até se criarem os particulares dialectos. Faz distinção entre linguagem popular e linguagem culta, distingue na poesia as várias métricas, os versos, os estilos, etc... Preconiza que deveria existir uma língua comum em toda a península itálica, o que significa a existência de uma nação, conceito inexistente na época puramente feudal do seu tempo.

    “Monarquia” é um tratado de teor político-filosófico, escrito em latim, no qual Dante exprime as suas ideias sociais. Ao grande partidarismo da época, Dante opõe o conceito de um governador universal representado por um Imperador, que unifique todos os países e nações. O Imperador ou Monarca imperará sobre todos os reis, ministros ou chefes dos povos, e agindo segundo a Justiça, conseguirá que todos os que agem abaixo dele sigam o seu exemplo. Assim a humanidade viveria em Paz e Justiça social, de harmonia com a Lei Universal.

    De Dante podemos ainda encontrar outras obras menores, a maioria póstumas, reunidas e publicadas mais tarde. Estão neste caso as “Éclogas”, “As Epístolas”, “As Rimas” e “A Questão da Água e Terra”. Simples documentos da actividade intelectual do poeta nos meios cultos da época.

    “A Divina Comédia”
    É a obra-prima de Dante. Começada por volta de 1307, trabalhou nela durante todo o resto da sua vida. Poema composto por três partes contendo a primeira parte 34 cantos e as outras duas partes 33 cantos cada uma, totalizando 100 cantos, está escrito em tercetos de versos decassilábicos com rima encadeada.

    Tendo o título original de “Comédia”, mais tarde os editores colocam-lhe o título de “A Divina Comédia”.

    É nesta obra que Dante coloca todo o Conhecimento e Sabedoria do homem superior que era, adaptando o Saber Tradicional à forma religiosa vigente para assim transmitir esses mesmos Conhecimentos aos outros homens. Rica em simbolismo, “A Divina Comédia” está perfeitamente adaptada ao cristianismo, podendo ser lida por todos aqueles que a queiram ler. Uns contentam-se apenas com o invólucro de que está revestida a obra, outros antevêm mais além, cada um segundo as suas possibilidades de beber na fonte inesgotável do simbolismo.

    Na “Comédia” Dante relata todo o processo de aceleração da evolução humana, ou seja, o processo iniciático, desde a descida aos mundos inferiores até à contemplação do Divino, processo este que é dividido em três partes: “Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”.

    Na primeira parte Dante narra que, tendo-se perdido numa floresta obscura, tenta em vão subir a uma colina iluminada pelos raios do sol nascente pois encontra-se frente a três feras que o impedem. Surge então Virgílio, o grande poeta latino, que será o guia espiritual nas duas primeiras partes da odisseia que Dante terá de percorrer. Virgílio tranquiliza-o, oferecendo-se para o tirar dali, levando-o através do Inferno e do Purgatório, um privilégio concedido a Dante pela oração de Beatriz, para que ele possa alcançar o Reino dos Bem-Aventurados.

    É assim que Dante se encontra no caminho da “Via Fatale” sobre cujos portais se encontra gravado:

      «Por mim se vai à cidade dolente
      Por mim se vai ao eterno tormento
      Por mim se vai viver com a perdida gente».


    É o primeiro passo, atravessar a terrível porta para se entrar nos mundos inferiores. Para isso é necessária toda a preparação e purificação para não se cair nos domínios inferiores. É a inspiração amorosa que leva Dante a “agir”, mas um amor platónico, ou seja, oriundo de Vénus Urania.

    É necessária a “acção” para que todo o processo se inicie. Como diz Krishna a Arjuna no Bhagavad-Gita, o caminho do Conhecimento é o caminho da Acção ultrapassada. Só com a experiência vem o verdadeiro Conhecimento, e o poeta terá que percorrer todo o longo caminho até chegar ao Conhecimento.

    Nas duas primeiras partes do poema vemos Dante conduzido por Virgílio, símbolo da razão, do conhecimento, da sabedoria, de toda a herança cultural dos antigos. É a etapa em que o homem necessita do apoio externo para que possa avançar no “tortuoso caminho”.

    Após estas etapas, o poeta caminha não sozinho mas acompanhado por Beatriz que o conduzirá até ao final de toda a odisseia. Beatriz é Vénus Urania, a grande paixão do homem por aquela sua “parte” que lhe falta: a Alma. Nesta fase o “lanu” não necessita de apoio externo do mestre, mas aspira a algo mais, aspira a conquistar a Essência perdida em tempos remotos. É com esta conquista que Dante entra no Reino dos Bem-Aventurados, onde habitam os Deuses, o Paraíso cristão, o Amenti egípcio, o Nirvana de Buda. Diversas terminologias para exprimirem todas o mesmo: o Inexprimível.


    Kartia Fonseca

     

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    newton: gênio difícil
    Tuesday, April 29, 2008


    Perfil biográfico de Isaac Newton, o pai da Teoria da Gravitação Universal.
    Solitário, inseguro, rancoroso, o inglês Isaac Newton foi um cientista de talento excepcional, capaz de juntar numa só fórmula a queda de uma maçã e o movimento dos planetas.

    Por José Tadeu Arantes

    O ano de 1666 foi fatídico para os ingleses. Em Londres, recém-saída da peste que matou 75 mil de seus 460 mil habitantes, um incêndio, iniciado numa padaria, se propagou durante quatro dias, consumindo mais de treze mil casas. Mas, na história da ciência, 1666 ficou conhecido como Annus Mirabilis ano maravilhoso. E isso se deveu ao gênio de uma só pessoa: Isaac Newton. Com a Universidade de Cambridge fechada devido aos temores de contágio, Newton, então com apenas 24 anos, se refugiou no campo, na casa da mãe no lugarejo de Woolsthorpe, onde nascera.
    No ambiente pacato da aldeia, ao passar em revista os conhecimentos que havia adquirido na renomada universidade, realizou a maior proeza intelectual já alcançada por um cientista em qualquer época algo que só teria paralelo no século XX, com as teorias de Albert Einstein. Pois, em seu refúgio campestre, o jovem Newton não só inventou o cálculo infinitesimal, de aplicação quase ilimitada nos mais diferentes ramos da ciência, como também lançou os fundamentos da ótica moderna, com um estudo sobre a luz e as cores e, principalmente, esboçou sua maior contribuição ao conhecimento humano a Teoria da Gravitação Universal. Muito tempo depois, ele mesmo explicaria a descoberta da gravitação com uma anedota que ficou famosa.
    Estava sentado uma noite ao ar livre, quando viu uma maçã cair. No mesmo instante, a Lua se levantava no firmamento. Uma pergunta atravessou sua mente como um relâmpago: a força que faz a maçã cair não seria a mesma que mantém a Lua em órbita ao redor da Terra? A questão possuía um alcance incrível: durante séculos, sob o domínio das idéias de Aristóteles (384-322 a.C.), acreditava-se que a Física terrestre e a Física celeste nada tinham em comum.
    Mergulhou então em profundos raciocínios: se a força de atração da Terra atuava sobre a Lua, o que mantinha os planetas em órbita deveria ser uma força do mesmo tipo, exercida pelo Sol. E essa força seria tanto mais fraca quanto mais distante o planeta estivesse do Sol. Partindo das leis sobre o movimento planetário, estabelecidas décadas antes pelo astrônomo e matemático alemão Johanes Kepler , Newton calculou que a força de atração varia de acordo com o inverso do quadrado da distância.
    Estava apenas a um passo da Lei da Gravitação Universal. A maçã, que os ingleses tanto apreciam para fazer tortas, havia permitido a Newton mudar a concepção do Universo, mas, ao contrário da lenda, não tinha caído sobre sua cabeça.
    O que havia na cabeça de Newton além da formidável intuição, era uma senhora neurose, resultado de uma infância que parecia conspiração do destino. Para começar, nasceu (no dia de Natal de 1642) prematuro, minúsculo e fraco. Ninguém acreditava que pudesse sobreviver ao primeiro dia: viveu 84 anos. Além disso, órfão de pai: o sitiante Isaac Newton, de quem herdou o nome, morrera três meses antes. Quando não havia ainda completado 3 anos, a mãe, Hannah, se casou de novo, com o pastor protestante Barnabas Smith. Este a levou para morar numa cidadezinha próxima de Woolsthorpe e exigiu que Isaac fosse deixado com a avó.
    Newton odiaria esse padrasto a vida inteira. Certa vez, ameaçou queimá-lo. E certamente projetou o ódio em todos os rivais. Brutal complexo de inferioridade e aguda sensação de insegurança o acompanhariam até o fim. Foi aluno medíocre, até que uma violenta briga com um colega ativou nele algum secreto talento que o transformou no primeiro da classe. Tímido e isolado, possuía, porém, excepcional habilidade para inventar e construir brinquedos mecânicos, como relógios e moinhos de vento. Se dependesse da mãe, que enviuvara de novo, Isaac trocaria os livros pela administração da propriedade que ela herdara do marido pastor. Mas o diretor da escola insistiu com Hannah para que deixasse o moço estudar.
    Assim, em junho de 1661, com 19 anos, entrou no Trinity College, da Universidade de Cambridge. Como estudante, primeiro, e logo como professor, continuava a ser uma figura excêntrica. Cabelos emaranhados, meias caindo nos calcanhares, era o tipo do gênio amalucado distraído a ponto de se sentar à mesa do refeitório e esquecer de comer. Puritano, abstêmio, solitário, sua vida se passava entre as salas da universidade. A idade não o modificaria muito: é quase certo que tenha morrido virgem.
    Mas a timidez no relacionamento humano era compensada por uma incrível vontade de saber. Para sorte de Newton, a grande revolução científica do século XVII já estava bastante adiantada quando chegou a Cambridge. Ele afirmaria mais tarde: se havia enxergado longe, era porque pudera se apoiar nos ombros de gigantes. Esses gigantes da revolução científica eram Johannes Kepler (1571-1630), o físico italiano (1564-1642) e o filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650).
    De Kepler, Newton herdou uma decisiva revisão do sistema concebido pelo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), o primeiro a formular, ainda como hipótese matemática, a teoria do movimento dos planetas ao redor do Sol que estaria no centro do Universo. De Galileu , recebeu uma nova formulação da ciência da Mecânica, baseada no princípio da inércia. De Descartes, a concepção mecanicista do mundo a visão da natureza como uma grande máquina, que funcionaria para sempre com base apenas no movimento de suas partes. Descartes deu ainda a Newton outro legado formidável: a Geometria Analítica, novo ramo da Matemática que permitia resolver problemas, até então insolúveis, pelos métodos algébricos.
    Com base em Kepler, Galileu e Descartes, o jovem Newton pôde fazer uma crítica da ciência grega que ainda era ensinada na universidade e anotou em latim num de seus cadernos: Amicus Plato, amicus Aristoteles, magis amica veritas (Platão é amigo, Aristóteles é amigo, mas amiga maior é a verdade). Três outras influências marcaram a formação de seu pensamento: o filósofo francês Pierre Gassendi, o químico inglês Robert Boyle e o filósofo também inglês Henry More. Gassendi havia ressuscitado a idéia grega de que a matéria se compunha de átomos e isso seria um ingrediente decisivo na receita newtoniana da natureza. Boyle forneceu-lhe a base para sua considerável obra em Química. More, finalmente, abriu-lhe a porta para o mundo do hermetismo, da tradição mágica e da alquimia. O fundador da ciência racional moderna era, também, um amante do oculto.
    Quando a Universidade de Cambridge foi fechada, devido à peste, Newton já havia recebido o grau de bacharel. Reaberta dois anos depois, ele ganhou a condição de fellow, que lhe permitia continuar os estudos à custa da universidade. Mais dois anos, e o catedrático de Matemática Isaac Barrow, que estava abandonando o magistério, indicou-o para sucedê-lo. Newton escolheu como tema inicial do curso seus estudos sobre a luz e as cores. De 1670 a 1672, suas palestras forneceriam material para o livro I de Ótica. O centro de sua contribuição era uma nova teoria das cores.
    Baseado nela, concluiu que a distorção cromática produzida pelas lentes convencionais era inevitável; para eliminar essa perturbação das observações astronômicas, construiu o primeiro telescópio por reflexão. Esse foi seu passaporte para o fechado clube dos grandes cientistas da época a Royal Society, a mais prestigiosa entidade científica da Inglaterra e da Europa. Em 1671, Newton foi eleito membro. Era o início da consagração. Mas havia uma pedra no meio do caminho. Seu nome: Robert Hooke, um dos mais brilhantes cientistas ingleses e líder da Royal Society.
    Ao contrário de Newton, Hooke acreditava que a luz era uma onda que se propagava no éter substância sutilíssima que preencheria todo o Universo. A ciência atual acabaria dando razão aos dois: embora a hipótese do éter universal tenha sido derrubada, sabe-se hoje que a luz realmente se comporta ora como se fosse formada por partículas ora como onda (SUPERINTERESSANTE n.º 3). Mas, na segunda metade do século XVII, as diferenças científicas entre Hooke e Newton transformaram-se em interminável desavença pessoal.
    A culpa, sem dúvida, foi do suscetível Newton: o contraponto do complexo de inferioridade era uma certeza intelectual que não admitia a menor contestação. Quase um ano depois da crítica de Hooke, ele continuava tão abalado que mergulhou em virtual isolamento. Quando, finalmente, em 1675, resolveu publicar o livro II de Ótica, jesuítas ingleses de Liège, na Bélgica, acusaram-no de erro nas experiências. A polêmica durou até 1678, quando Newton chegou ao completo esgotamento nervoso. Nos seis anos seguintes, ele fugiria a qualquer tipo de contato intelectual.
    Nesse período, entregou-se ao hermetismo. Sua biblioteca particular continha mais de cem tratados sobre alquimia, muitos copiados a mão por ele. Seu forno de alquimista para experiências com metais permaneceu aceso meses a fio. Sob a influência da chamada arte de transmutação dos metais, também sua concepção da natureza se transmudou. Antes, a idéia de que a matéria pode exercer ação a distância, como nos fenômenos eletrostáticos e gravitacionais, lhe era inaceitável: devia haver mecanismos invisíveis operando no éter.
    Agora, questões enigmáticas, como o fato de certas substâncias químicas reagirem entre si e outras não, o levaram a imaginar um princípio secreto regendo as simpatias e as antipatias entre as substâncias. Parece incrível, mas a Teoria da Gravitação Universal, coluna mestra da Física moderna, é descendente direta da filosofia hermética. Para Newton, estas eram correções inevitáveis no pensamento mecanicista, única forma de dar à natureza um tratamento matemático exato: as atrações à distância eram rigorosamente quantitativos.
    Em agosto de 1684, uma visita do astrônomo Edmond Halley tirou Newton da concha em que se fechara. Halley, cujo nome seria dado a um cometa, era uma espécie de fiel escudeiro de Newton. Soubera que este havia resolvido o problema da explicação física dos movimentos planetários: foi cobrar a demonstração. Newton prometeu atender. Da promessa resultou, quase três anos depois, a obra fundamental da ciência moderna: Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios matemáticos da Filosofia natural).
    Com a primeira edição de quatrocentos exemplares, financiada pelo próprio Halley, os Principia, como a obra ficou conhecida, projetaram imediatamente o nome de Newton. Os jovens cientistas fizeram dele o seu modelo. Newton, de seu lado, sentia-se bem nessa companhia particularmente, na companhia de Fatio de Duillier, matemático suíço residente em Londres. Depois da relação com a mãe, a amizade com Fatio foi sua mais profunda experiência afetiva. Sob a influência da fama e do amigo, começou a abandonar a solidão.
    Protestante fervoroso, participou da resistência da Universidade de Cambridge à tentativa do rei James II de torná-la católica. Depois da revolução incruenta de 1688, que derrubou James do poder, foi eleito representante da Universidade na conferência de Londres, que estabeleceu o acordo entre os revolucionários vitoriosos. Isto lhe deu oportunidade de travar relações com os notáveis do país entre eles, o filósofo John Locke. A vida intensa da capital o atraiu. Tanto que fez gestões junto ao político Charles Montague, futuro Lord Halifax, para arranjar emprego ali. Em 1696, Montague conseguiu-lhe a nomeação para a diretoria da Casa da Moeda.
    Mudou-se finalmente para Londres. Fatio havia voltado para a Suíça, apesar dos protestos de Newton, que se oferecera até para sustentá-lo na Inglaterra. Londres era o encerramento de sua atividade científica criadora. Suas preocupações intelectuais se voltavam para outra direção. Tentou provar que as passagens bíblicas sobre a Santíssima Trindade eram corrupções tardias do texto original. Dedicou um livro à interpretação das profecias de Daniel e do Apocalipse de São João. Mergulhou num estudo exaustivo e infecundo sobre a cronologia das antigas civilizações.
    Como diretor e, depois, presidente da Casa da Moeda, recebia um polpudo salário anual de 2 mil libras, o que o transformou rapidamente num homem rico. Poderia contentar-se em ser um marajá da administração inglesa. Mas não sossegou: voltou sua raiva contra os falsificadores de dinheiro, levando vários à forca. Em 1703, foi eleito presidente da Royal Society, que dirigiria como ditador até o final da vida. Seus últimos anos foram dedicados a uma nova briga desta vez, com um adversário à altura: o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). Motivo: a prioridade na invenção do cálculo infinitesimal.
    Na verdade, Newton foi o inventor, e Leibniz o primeiro a publicar a invenção. Mas a polêmica era boa demais para ser deixada de lado com argumentos razoáveis. Newton redigiu pessoalmente a maior parte dos artigos em sua defesa assinados por seus partidários. Como presidente da Royal Society, nomeou um comitê imparcial para investigar o caso, enquanto secretamente escrevia o relatório oficial com as conclusões desse mesmo comitê. Nem a morte de Leibniz o acalmou: qualquer artigo, sobre qualquer assunto, continuava a ser uma boa oportunidade para espinafrar o filósofo alemão. Somente sua própria morte, em 20 de março de 1727, pôs fim à pendenga. E pensar que dessa mente conturbada nasceu a mais prodigiosa obra científica já produzida por um homem em todos os tempos.
    Para saber mais:
    Einstein, o homem que mudou o mundo
    (SUPER número 11, ano 1)
    O novo mundo de Galileu
    (SUPER número 5, ano 3)

    Boxes da reportagem

    Assim na Terra como no céu.

    Como qualquer história inglesa que se preze, também esta envolveu uma aposta. Cenário: uma taberna londrina, próxima à Royal Society. Época: 1684. Animada pelo álcool, uma discussão se instala entre três celebridades: o astrônomo Edmond Halley; o então presidente da Royal Society, Robert Hooke; e o ilustre arquiteto Christopher Wren. O assunto, como convém a intelectuais desse porte, é o movimento dos planetas ao redor do Sol.
    Halley diz que se pode calcular a força que mantém os planetas em órbita. Ela variaria com o inverso do quadrado da distância que os separa do Sol. Hooke argumenta que, se isso for verdade, será preciso demonstrar, a partir daí, todas as leis sobre o movimento planetário, descobertas por Kepler algo que ele próprio está certo de poder fazer. Wren propõe então: quem resolver o problema receberá um prêmio simbólico de 40 shillings. A disputa estimula Halley a viajar a Cambridge, à procura do solitário Isaac Newton. Qual não é sua surpresa quando Newton lhe diz que, realmente, já havia considerado a possibilidade de que a força de atração variasse segundo o inverso do quadrado da distância.
    A partir dessa hipótese, acrescenta, era possível deduzir matematicamente as órbitas dos planetas, estabelecidas por Kepler. E mais: tinha certeza disso porque fizera pessoalmente os cálculos, uns vinte anos antes, durante a peste de Londres; mas depois se desinteressara do assunto. A insistência de Halley o convenceu a retomar o estudo. Durante três anos, Newton trabalhou nas idéias esboçadas naquele ano maravilhoso de sua juventude. Quando finalmente publica suas conclusões, em 1687, está criada uma nova Física, simples e coerente. Sua base são as três leis sobre o movimento dos corpos, apresentadas no livro I dos Principia.
    Em linguagem atual, elas podem ser assim redigidas: 1) A menos que atue uma força externa, qualquer corpo tende a manter-se indefinidamente em repouso ou em movimento retilíneo e uniforme (princípio da inércia); 2) caso uma força externa atue a aceleração que o corpo recebe é proporcional à intensidade da força (princípio fundamental da dinâmica); 3) toda vez que um corpo recebe de outro uma força, ele também exerce sobre este uma força de mesma intensidade e direção, mas de sentido contrário (princípio da ação e reação).
    A partir dessas três leis, Newton calculou a força centrípeta (de fora para dentro) necessária para fazer um corpo transformar seu movimento retilíneo e uniforme em movimento circular. Depois chegou à sua famosa Lei da Gravitação Universal: cada partícula de matéria do Universo atrai qualquer outra com uma força proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que as separa. Não se sabe se Newton recebeu os 40 shillings de Wren, mas seus Principia se tornaram o paradigma da Física clássica.
    Quando a sonda espacial norte-americana Voyager abandona o sistema solar e, sem nenhuma propulsão, continua a se deslocar no espaço, é o princípio da inércia que está sendo mais uma vez confirmado. Quando, milhões de vezes todos os dias, os motoristas aceleram seus carros, a relação entre a força produzida pelo motor e a aceleração do veículo é governada pelo princípio fundamental da dinâmica. Quando um nadador, ao atravessar uma piscina, empurra com os braços e pernas a água para trás e recebe da água a força equivalente que o impulsiona, é o princípio da ação e reação que está em jogo. Depois de Einstein e da Mecânica Quântica, a Física de Newton já não explica o Universo. Mas explica uma infinidade de fenômenos comuns do mundo cotidiano.

    Bia de S

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    posted by iSygrun Woelundr @ 12:03 PM   0 comments
    Discurso de Posse Academia Brasileira de Letras - paulo coelho
    Thursday, January 25, 2007
    28 de Outubro 2002
    SIC TRANSIT GLORIA MUNDI. Dessa maneira, São Paulo define a condição humana em uma de suas epístolas: a glória do mundo é transitória. E, mesmo sabendo disso, o homem sempre parte em busca do reconhecimento pelo seu trabalho.
    Por quê? Um dos maiores poetas brasileiros, Vinícius de Moraes, diz em uma de suas letras de música:
    “E no entanto é preciso cantar
    mais que nunca é preciso cantar.”
    Vinícius de Moraes é brilhante nestas frases. Lembrando Gertrud Stein, no seu poema “Uma rosa é uma rosa, é uma rosa”, apenas diz que é preciso cantar. Não dá explicações, não justifica, não usa metáforas. Quando me candidatei a esta Cadeira, ao cumprir o ritual de entrar em contato com os membros da Casa de Machado de Assis, ouvi do acadêmico Josué Montello algo semelhante. Disse-me ele: “Todo homem tem o dever de seguir a estrada que passa pela sua aldeia.”
    Por quê?
    O que existe nessa estrada?
    Que força é essa que nos empurra para longe do conforto daquilo que é familiar, e nos faz enfrentar desafios, mesmo sabendo que a glória do mundo é transitória?
    Creio que esse impulso se chama: a busca do sentido da vida. Por muitos anos procurei nos livros, na arte, na ciência, nos perigosos ou confortáveis caminhos que percorri uma resposta definitiva para essa pergunta. Encontrei muitas, algumas que me convenceram por anos, outras que não resistiram a um só dia de análise; entretanto, nenhuma delas foi suficientemente forte para que agora eu pudesse dizer:
    o sentido da vida é este.
    Hoje estou convencido que tal resposta jamais nos será confiada nesta existência, embora, no final, no momento em que estivermos de novo diante do Criador, compreenderemos cada oportunidade que nos foi oferecida – e então aceita ou rejeitada.
    Em um sermão de 1890, o pastor Henry Drummond fala desse encontro com o Criador. Diz ele:
    “Neste momento, a grande pergunta do ser humano não será: “Como eu vivi?”
    Será, isto sim: “Como amei?”
    O teste final de toda busca é a dimensão de nosso Amor. Não será levado em conta o que fizemos, em que acreditamos, o que conseguimos.
    Nada disso nos será cobrado, mas sim nossa maneira de amar o próximo. Os erros que cometemos nem sequer serão lembrados. Não seremos julgados pelo mal que fizemos, mas pelo bem que deixamos de fazer. Pois manter o Amor trancado dentro de si é ir contra o espírito de Deus, é a prova de que nunca O conhecemos, de que Ele nos amou em vão.”
    Lendo a vida e obra daqueles que, antes de mim, ocuparam a Cadeira 21, independentemente de acreditarem ou não naquele encontro com o Criador, este é o primeiro elemento mais presente: amor. Todos buscaram um sentido para suas vidas, mas, enquanto o procuravam, souberam transformar seus passos em manifestações de amor ao próximo. E aí o amor é entendido como algo mais amplo do que o simples ato de gostar.
    Martin Luther King lembrava que os gregos possuem três palavras para designar esse sentimento: a primeira é Eros, o amor saudável e necessário entre dois seres humanos, que se buscam, se encontram, ou se desencontram. A segunda palavra é
    Philos, a paixão que nos empurra ao encontro da sabedoria, dos amigos, da filosofia, dos legados que nos deixaram as gerações anteriores. Finalmente existe a palavra Ágape, o amor maior, aquele a que – como bem lembra Martin Luther King – Jesus se referia quando disse: “Amai vossos inimigos.” Um amor que está além do ato de gostar, porque não podemos gostar de quem nos agride, nos ofende, é injusto em seus comentários, leviano em suas acusações, preconceituoso em seu julgamento. Não podemos gostar, mas podemos amar e, através do amor, entender que por detrás de cada atitude mesquinha e destruidora está um imenso desejo de ser compreendido, aceito, apreciado.
    Então, a essência de Ágape está não apenas nos que aqui me precederam nesta Cadeira 21, mas em todos, em todas as cadeiras desta Casa, deste auditório, em todas as cadeiras do mundo. Basta apenas reunir coragem suficiente para lutar por seus sonhos, e – de novo me apoio em uma expressão cunhada pelo apóstolo São Paulo – “combater o bom combate, e manter a fé.”
    Em 1986, quando fazia o Caminho de Santiago em busca de uma espada, a mesma espada que daqui a pouco me será de novo entregue, simbolicamente, pelo acadêmico Josué Montello, eu compreendi pela primeira vez o sentido dessa expressão.
    O Bom Combate é aquele travado porque o nosso coração pede. Nas épocas heróicas, no tempo dos cavaleiros andantes, isso era fácil, havia muita terra para conquistar e muita coisa para fazer. Hoje, porém, o mundo mudou, e o Bom Combate veio dos campos de batalha para dentro de nós mesmos.
    O Bom Combate é aquele que é travado em nome de nossos sonhos. Quando eles explodem dentro de nós com todo o seu vigor – na juventude – temos muita coragem, mas ainda não aprendemos a lutar. Depois de
    muito esforço, terminamos aprendendo, e então já não temos a mesma coragem. Por isso, nos voltamos contra nós, e nos transformamos em nosso pior inimigo. Dizemos que nossos sonhos eram infantis, difíceis de realizar, ou frutos de nosso desconhecimento das realidades da vida. Matamos nossos sonhos porque temos medo de combater o Bom Combate.
    O primeiro sintoma de que estamos matando nossos sonhos é a falta de tempo. As pessoas mais ocupadas que conheci na minha vida sempre têm tempo para tudo e para todos. As que nada fazem estão sempre cansadas, não dão conta do pouco trabalho que precisam realizar, e se queixam constantemente que o dia é curto demais. Na verdade, elas têm medo de saber onde vai dar a misteriosa estrada que passa pela sua aldeia.
    O segundo sintoma da morte de nossos sonhos são nossas certezas. Porque não queremos aceitar a vida como uma grande aventura a ser vivida, passamos a nos julgar sábios, justos e corretos. Olhamos para além das muralhas do nosso mundo organizado, onde a ciência e a filosofia já têm todas as respostas, onde todas as dúvidas já foram resolvidas pelas ideologias, conceitos e preconceitos. Olhamos e vemos as grandes quedas e os olhares sedentos de conquista dos guerreiros, ouvimos o ruído de lanças que se quebram, sentimos o cheiro de suor e pólvora. Então dizemos, do alto de nossas torres de marfim: “Eles não sabem o que eu sei.” Com essa atitude arrogante, jamais percebemos a alegria, a imensa Alegria que está no coração de quem está lutando, porque para esses não importa nem a vitória nem a derrota, mas apenas olhar o mundo como se fosse uma pergunta – não uma resposta – e através dessa pergunta tentam dignificar suas vidas.
    Raul Seixas descreve bem a alegria no coração dos guerreiros, ao escrever:
    Prefiro ser
    Uma metamorfose ambulante
    Do que ter aquela velha opinião
    Formada sobre tudo.
    Finalmente, o terceiro sintoma da morte de nossos sonhos é a Paz. A vida passa a ser uma tarde de Domingo, sem nos pedir grandes coisas, e sem exigir mais do que queremos dar. Achamos então que estamos maduros, deixamos de lado as fantasias da infância, e conseguimos nossa realização pessoal e profissional. Ficamos surpresos quando alguém de nossa idade diz querer ainda isso ou aquilo da vida. Mas, na verdade, no íntimo de nosso coração, sabemos que o preço dessa paz foi nossa renúncia à luta por tudo que considerávamos interessante, e por tudo que nos entusiasmava fazer.
    Quando encontramos a paz, temos um curto período de tranqüilidade. Mas os sonhos mortos começam a apodrecer dentro de nós, e a infestar o ambiente em que vivemos. Começamos a nos tornar cruéis com aqueles que nos cercam, e finalmente passamos a dirigir essa crueldade contra nós mesmos. Surgem as doenças e as psicoses. O que queríamos evitar no combate – a decepção e a derrota – passa a ser o único legado de nossa covardia. E, num belo dia os sonhos mortos e apodrecidos tornam o ar difícil de respirar e passamos a desejar a morte, a morte que nos livre de nossas certezas, de nossas ocupações, e da paz das tardes de domingo.
    Nenhum dos ocupantes desta Cadeira 21 experimentou – graças a Deus – essa terrível paz. O teatrólogo Dias Gomes, em seu discurso de posse, chamou-a de “A cadeira da Liberdade”. O economista Roberto Campos a chamou de “Cadeira do Ecletismo”. Eu preferiria chamá-la, entretanto, de “Cadeira da Utopia”. Utopia em seu sentido clássico, referindo-me ao momento ideal da história da civilização na qual todas as conquistas do homem seriam
    consolidadas entre seus semelhantes; o país imaginário do escritor inglês Thomas Morus, no qual um governo, organizado da melhor maneira, proporciona ótimas condições de vida a um povo equilibrado e feliz.
    O fundador da Cadeira 21, José do Patrocínio, herói da Abolição da Escravatura, diz em um dos seus discursos. Cito:
    “Dentro em três dias vai começar a história moderna do Brasil e fechar-se a triste história dos tempos bárbaros da nossa terra. Não é demasiado otimismo profetizar que a nossa evolução nacional será feita com a mesma rapidez da dos Estados Unidos.
    As estrelas do sul dentro em um quarto de século não invejarão o fulgor da constelação do norte.”
    Um quarto de século se passou, e outro, e muitos outros. Apesar da abolição da escravatura, todos nós sabemos que até hoje o sonho de José do Patrocínio ainda não se tornou realidade. Entretanto, ele nos legou sua utopia, e nós continuamos a lutar por ela.
    Sucedeu-o o poeta Mário de Alencar, descrito por todos como um homem tímido e recluso, cujo modelo de vida era o corajoso Sócrates. Suas obras só nos chegaram por causa da dedicação de seus filhos. Tinha como ideal a beleza pura, e comentava em um dos seus versos:
    “Goza mulher teus dias
    que as puras alegrias
    vêm da ilusão.”
    De novo a idéia utópica de um mundo no qual é possível, apesar da ilusão, permitir-se o prazer das grandes alegrias. O mesmo acontecia com o poeta Olegário Mariano, que o sucedeu: embora mais
    extrovertido em seu comportamento – afinal, são dele várias letras de músicas, uma das quais ainda cantamos: “Cai, cai, balão” – leva a sua utopia do terreno literário para o campo político, como antes fizera José do Patrocínio. Luta por um Brasil moldado no ideário de Getúlio Vargas.
    Quero fazer uma pequena observação aqui: não me cabe, neste discurso de posse, julgar as afinidades partidárias dos ocupantes desta Cadeira, mas o empenho sincero que tiveram em procurar uma opção melhor para o Brasil, levando em conta suas convicções pessoais.
    Como os seus predecessores, também Olegário Mariano quer seguir um sonho impossível. Ele mantém em seu horizonte os ideais utópicos da existência. Como nos versos a seguir. Cito:
    “Vida! Quero viver todas as tuas horas,
    As que prendi na mão e as que nunca alcancei.”
    Álvaro Moreyra, o cronista do Rio, é o próximo ocupante, um dos precursores do novo teatro brasileiro, que se declara adepto da utopia comunista. Deixa importante legado literário, que inclui um estudo sobre o teatro espanhol na Renascença, escrito em 1946, e a peça “Adão e Eva e outros membros da família (1929)”, que até hoje faz parte do repertório de muitas companhias teatrais. Em seu trabalho poético, de novo o mesmo louvor utópico à vida, que o acompanhou até nos dizeres de seu epitáfio:
    O epitáfio de Álvaro Moreyra é o seguinte:
    “Acreditei na Vida, e a Vida em mim.
    Depois, desandamos a rir de nós mesmos - os dois.”
    O crítico Adonias Filho, que sucede Álvaro Moreyra, parte para uma utopia exatamente oposta: ex-integralista, defende o golpe militar de 1964. Mas é tão íntegro em suas convicções que merece o respeito de Jorge Amado, militante de campo exatamente oposto, que faz questão de recebê-lo nesta Casa. Provocador, irônico, Adonias Filho declara em um dos seus textos:
    “Ainda se discute a utilidade dos críticos. Os escritores louvados são a favor. Os outros são contra. O público, felizmente, não se interessa pela discussão. Parece-me que os críticos não deixam de ser úteis. A alguns, eu devo a ampliação dos meus conhecimentos literários. Se eles não houvessem constatado a profunda influência exercida sobre mim por certos autores, com certeza eu nunca os leria depois...”
    De novo o pêndulo da Cadeira 21 oscila para uma utopia oposta: é a vez de Dias Gomes entrar para a Academia Brasileira de Letras, trazendo em seu teatro e na sua vasta bagagem literária o sonho de um Brasil redimido pela vitória do oprimido sobre o opressor. Seu nome torna-se mundialmente conhecido quando uma de suas peças, “O Pagador de Promessas”, é transformada em filme e ganha a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França. Dono de uma linguagem moderna, é levado pelas circunstâncias a escrever para a televisão, e o faz de maneira inovadora, criando obras que até hoje permanecem no imaginário do povo, como “O Bem Amado” e “Roque Santeiro”. Em uma de suas peças, “O Santo Inquérito”, a personagem Branca comenta sobre o abismo que separa o sonho da realidade:
    “Deus deve estar onde há mais claridade, penso eu. E deve gostar de
    ver as criaturas livres como Ele as fez, usando e gozando essa liberdade, porque foi assim que nasceram e assim devem viver. Tudo isso que estou lhes dizendo, é na esperança de que vocês entendam ... Porque eles, eles não entendem... Vão dizer que sou uma herege e que estou possuída pelo demônio.”
    Com sua morte trágica, prematura, que privou o Brasil contemporâneo de uma de suas inteligências mais brilhantes, o pêndulo torna a oscilar e, em uma eleição onde a discussão sobre utopias foi a tônica, Roberto Campos consegue a maioria necessária para ocupar a Cadeira 21.
    Lembro-me de, ainda jovem, ir para as ruas protestar contra sua política econômica – embora na época não tivesse sequer idéia do que isso significava. Fernando Sabino, porém, cunhou uma expressão primorosa: “Todo homem é incendiário aos vinte anos, e bombeiro aos quarenta.” Aos quarenta anos, quando resolvi comprar o meu primeiro computador, vi um Brasil paralisado pela Lei da Informática, caminhando a passos largos em direção - não ao futuro, mas ao passado. Essa lei, que Roberto Campos tanto combatera, e que antes era uma abstração para mim, agora se transformava em algo concreto: estava me privando de um instrumento de trabalho.
    Ainda durante minha transição de incendiário a bombeiro, tive oportunidade de ler muitos artigos seus, e – mesmo a contragosto, já que sempre somos mais sectários do que ousamos admitir – terminei por lhe dar razão. O meu suposto inimigo de antes transformava-se em um homem capaz de defender com coerência e responsabilidade a sua utopia, buscando aí todas as tribunas possíveis.
    Minha admiração chegou a tal ponto que, sabendo de uma noite de autógrafos de seu livro “Lanterna de Popa”, fui até a Gávea para encontrá-lo. Uma chuva torrencial impediu muitas pessoas de comparecer, e eu tive a oportunidade de privar, por meia hora, da sua intimidade e inteligência fulgurante.
    Firme nas convicções, eloqüente nas argumentações, polêmico e provocador, Roberto de Oliveira Campos marcou a história do Brasil moderno. Correndo sempre o risco de não ser compreendido, era capaz de lutar até o fim por tudo aquilo que julgava melhor para nossa Pátria.
    Poucos foram os que se aplicaram em identificar profundamente o pensamento de Roberto Campos, e, entre estes encontra-se o jornalista Olavo Luz. Em sua biografia “Roberto Campos, o homem por detrás do mito”, Olavo nos deu uma dimensão humana desse Economista, Professor, Embaixador, Ministro de Estado, Senador, Deputado, e Acadêmico.
    Roberto Campos viveu entre o amor e o ódio. Despertava a fúria raivosa dos contendores e a paixão extremada, quase uma religião, dos admiradores. Um episódio na vida do meu antecessor merece especial atenção:
    Corriam os chamados “anos de chumbo”, cujo prolongamento Roberto Campos tanto condenou, defendendo o retorno do poder à sociedade civil, após o governo Castelo Branco, que chamava de “arrumação da casa”. Carlos Lacerda, também um brilhante político e, naquele momento, em campo oposto ao então Ministro Extraordinário do Planejamento, cunhou uma frase histórica:
    “O senhor Roberto Campos irrita a todos:
    mata os ricos de raiva e os pobres de fome”.
    Impassível, Roberto Campos respondeu com uma outra frase histórica, que seria também uma declaração honrada de armistício:
    “A violência da flecha dignifica o alvo”.
    “A violência da flecha dignifica o alvo”.Muitas vezes, em momentos em que me sentia julgado com severidade excessiva pela crítica, me recordava dessa frase. E me lembrava de outro sonho, do qual eu não estava disposto a desistir: entrar, um dia, para a Academia Brasileira de Letras.
    Há cinco anos, o acadêmico Eduardo Portella, durante o lançamento de “O Monte Cinco” na França, me se eu consideraria a possibilidade de uma candidatura. Perguntei se estava falando sério; ele disse que sim.
    Pouco tempo depois, Maria Eugenia Stein, amiga de longa data, resolveu promover um encontro com o então Presidente da Academia, Arnaldo Niskier. Retirei o sonho do meu coração, convidei-o para tomar um chá em minha casa, conversei abertamente sobre minhas pretensões, e tornei a guardar meu sonho em lugar onde pudesse contemplá-lo de vez em quando.
    No dia 9 de outubro de 2001, eu participava do Festival de Autores e Cineastas, em Montecarlo. Conversava despreocupadamente com o diretor americano Sidney Pollack, quando meu telefone celular tocou: Roberto Campos havia morrido.
    Pedi licença a Pollack, caminhei até a praia, fiquei contemplando o Mediterrâneo. Nos momentos em que precisamos tomar uma decisão muito importante, é melhor confiar no impulso, na paixão, porque a razão geralmente procura nos afastar do sonho – justificando que ainda não é chegada a hora. A razão tem medo da derrota. Mas a intuição gosta da vida, e dos desafios da vida. Eu também gosto, de modo que resolvi me candidatar, e confiei em meus amigos da Academia. Pessoas mais próximas me perguntavam: “Mas está mesmo na hora? Por que você não deixa isso para mais adiante?” Eu respondia:
    “Como é que você sabe que “mais adiante” é a hora certa? “
    E segui em frente.
    Vez por outra me lembrava de um episódio de minha adolescência: Com um grupo de amigos da Academia de Letras do Colégio Santo Inácio – onde cursava o ginasial – vimos até aqui para assistir a uma palestra. Foi preciso vestir terno e gravata, tomar o bonde, viajar muito tempo para chegar ao centro da cidade. Não me lembro da palestra, nem do palestrante - mas a primeira impressão desse lugar jamais saiu de minha cabeça.
    Hoje, quase 40 anos depois, estou nesta tribuna, fazendo meu discurso de posse. O que era uma utopia de adolescente virou – no início da década de 90 – uma verdadeira heresia. Mas, como acontece com algumas heresias, esta também se transformou em realidade. Lutei por esse sonho, confiei em meus amigos, combati o bom combate e mantive a fé. Aprendi com Jorge Amado, o maior escritor brasileiro do século XX, o insubstituível, o grande, o generoso, o digno Jorge Amado, que as utopias são possíveis.
    E hoje aqui com vocês, celebramos juntos.
    Antes de terminar, gostaria de citar outros dois escritores que nunca conheceram a glória, mas que realizaram seu trabalho com dignidade e dedicação. Um deles jamais sonhou que um dia seu nome seria pronunciado nesta tribuna, e talvez alguns considerem isso anátema, mas não posso deixar passar a oportunidade: trata-se de José Mauro Vasconcellos. Jamais li um livro seu, mas não posso perder este momento único para agradecê-lo por ter levado seu trabalho aos quatro cantos do mundo, ajudando a mostrar às mais diferentes culturas o que existe na alma intensa e comovente do povo brasileiro.
    O outro escritor, um professor de matemática, escondido atrás de um pseudônimo misterioso, povoou minha imaginação infantil com lendas do deserto, dos céus e da terra, das mil histórias sem fim que o povo árabe conta, e que, mais tarde, estariam na gestação de meu livro mais conhecido: “O Alquimista.” Trata-se de Júlio César de Mello e Souza, conhecido por todos os seus leitores como Malba Tahan. É de sua autoria a história que agora narro, com minhas palavras, e que tão bem reflete a frase de São Paulo sobre a glória do mundo:
    “Na antiga Roma, na época do imperador Tibério, vivia um homem muito bom, que tinha dois filhos: um era militar, e quando entrou para o exército, foi enviado para as mais distantes regiões do Império. O outro filho, versado em letras, virou um poeta famoso, que encantava Roma com seus versos.
    “Certa noite, o homem teve um sonho. Um anjo lhe aparecia para dizer que as palavras de um de seus filhos seriam conhecidas e repetidas no mundo inteiro, por todas as gerações vindouras. Acordou agradecido e chorando, porque a vida era generosa, e havia lhe revelado uma coisa que qualquer pai teria orgulho de saber.
    “Pouco tempo depois, morreu ao tentar salvar uma criança que ia ser esmagada pelas rodas de uma carruagem. Como tinha se comportado de maneira correta e justa em toda a sua vida, foi direto para o céu, e encontrou-se com o anjo que lhe aparecera em sonhos.
    “– Você foi um homem bom – disse-lhe o anjo. – Viveu sua existência com amor, e morreu com dignidade. Posso realizar agora seus desejos.
    “– A vida também foi boa para mim – respondeu o homem. – Quando você me apareceu em sonho, senti que todos os meus esforços estavam justificados. Porque os versos de meu filho serão passados de geração em geração. Nada tenho a pedir para mim; entretanto, todo pai se orgulharia de
    testemunhar a imortalidade de alguém que ele cuidou quando criança e educou quando jovem.
    “O anjo tocou em seu ombro, e os dois foram projetados para um futuro distante. Em volta deles apareceu um lugar imenso, com milhares de pessoas, que falavam uma língua estranha.
    “O homem chorou de alegria.
    “– Eu sabia que os versos do meu filho eram bons e imortais – disse para o anjo, entre lágrimas. – Toda Roma se encantava com eles, e sei algumas de suas poesias de cor:
    gostaria que me dissesse qual delas estas pessoas estão repetindo.
    “– Os versos de seu filho poeta foram muito populares em Roma – disse o anjo. – Todos gostavam, e se divertiam com eles. Mas, quando o reinado de Tibério acabou, seus versos também foram esquecidos. Estas palavras são de seu filho que entrou para o exército.
    “O homem olhou surpreso para o anjo, que continuou:
    “– Seu filho foi servir num lugar distante. Era também um homem justo e bom. Certa tarde, um dos seus servos ficou doente, e estava para morrer. Seu filho, então, ouviu falar de um Rabi que curava os doentes, e andou dias e dias em busca daquela pessoa. No caminho, descobriu que o homem que procurava era o Filho de Deus. Encontrou outras pessoas que haviam sido curadas por Ele, aprendeu seus ensinamentos, e, mesmo sendo um centurião romano, converteu-se ao seu credo. Até que certa manhã chegou perto do Rabi.
    “Contou-lhe que tinha um servo doente. E o Rabi se prontificou a ir até sua casa. Mas o centurião era um homem de fé, e olhando no fundo dos olhos do Rabi, disse não ser necessário.
    “O anjo tornou a mostrar as pessoas e, de repente, todas se levantaram:
    “– Estas são as palavras do seu filho soldado – disse o anjo ao homem. – São as palavras que ele disse ao Rabi naquele momento, e que nunca mais foram esquecidas:
    “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha casa, mas dizei uma só palavra e meu servo será salvo”.
    SIC TRANSIT GLORIA MUNDI. A glória do mundo é transitória, e não é ela que nos dá a dimensão de nossa vida – mas a escolha que fazemos, de seguir nossa lenda pessoal, acreditar em nossas utopias, e lutar por elas. Somos todos protagonistas de nossas existências, e muitas vezes são os heróis anônimos – como o centurião romano – que deixam as marcas mais duradouras.
    Conta uma lenda japonesa que certo monge, entusiasmado pela beleza do livro chinês Tao Te King, resolveu levantar fundos para traduzir e publicar aqueles versos em sua língua pátria. Demorou dez anos até conseguir o suficiente.
    Entretanto, uma peste assolou seu país, e o monge resolveu usar o dinheiro para aliviar o sofrimento dos doentes. Mas assim que a situação se normalizou, de novo partiu para arrecadar a quantia necessária à publicação do Tao; mais dez anos se passaram, e quando já se preparava para imprimir o livro, um maremoto deixou centenas de pessoas desabrigadas.
    O monge de novo gastou o dinheiro na reconstrução de casas para os que tinham perdido tudo. Outros dez anos correram, ele tornou a arrecadar o dinheiro, e finalmente o povo japonês pôde ler o Tao Te King.
    Dizem os sábios que, na verdade, esse monge fez três edições do Tao: duas invisíveis, e uma impressa. Ele acreditou na sua utopia, combateu o bom combate, manteve a fé em seu objetivo, mas não deixou de prestar atenção ao seu semelhante. Que seja assim com todos nós: às vezes os livros invisíveis, nascidos da generosidade para com o próximo, são tão importantes quanto aqueles que levam escritores a ocupar uma vaga na Academia Brasileira de Letras.
    Muito obrigado.
    posted by iSygrun Woelundr @ 12:56 PM   0 comments
    Quatro histórias passadas no Japão - paulo coelho
    Concorrendo com os americanos


    Ao visitar o Japão, para promover “O Diário de Um Mago”, peguntei ao editor Masao Masuda , por que os japoneses conseguiram conquistar mercados que antes eram dominados pelos americanos.
    - Muito simples - respondeu Masuda. - Os americanos tem uma idéia, trancam-se numa sala com pesquisas, tomam decisões, e gastam uma energia imensa para provar que estavam certos. Nós não queremos provar nada a ninguém: deixamos que cada ser humano manifeste suas necessidades, e procuramos soluciona-las. O resultado prático é que cada um termina comprando aquilo que já desejava antes.
    “Quem só deseja demonstrar que está certo, termina por agir errado”.

    O verdadeiro respeito

    Durante a evangelização no Japão, um missionário foi preso por samurais.
    - Se quiser continuar vivo, amanhã terá que pisar a imagem de Cristo, diante de todos - disseram os guerreiros.
    O missionário foi dormir, sem nenhuma dúvida no coracão: jamais cometeria tal sacrilégio, e estava preparado para o mártirio.
    Acordou no meio da noite, e ao levantar-se da cama, tropeçou num homem que dormia no chão. Quase caiu para trás: era Jesus Cristo em pessoa!
    - Agora que já pisou em mim, vá lá fora e pise na minha imagem - disse Jesus. -Porque lutar por uma idéia é muito mais importante que a vaidade de um sacrifício.


    Destruindo e reconstruindo

    Sou convidado a ir a Guncan-Gima, onde existe um templo zen-budista. Quando chego lá, fico surpreso: a belíssima estrutura está situada no meio de uma imensa floresta, mas com um gigantesco terreno baldio ao lado.
    Pergunto a razão daquele terreno, e o encarregado explica:
    -É o local da próxima construção. A cada vinte anos, destruímos este templo que voce está vendo, e o reconstruímos ao lado.
    “Desta maneira, os monges carpinteiros, pedreiros e arquitetos, tem possibilidade de estar sempre exercendo suas habilidades, e ensina-las - na prática - aos seus aprendizes. Mostramos também que nada na vida é eterno - e até mesmo os templos estão num processo de constante aperfeiçoamento.”


    A medida do amor

    - Sempre desejei saber se era capaz de amar minha mulher como o senhor ama a sua - disse o jornalista Keichiro a meu editor Satoshi Gungi, enquanto jantávamos.
    - Não existe nada alem do amor – foi a resposta. - É ele que mantém o mundo girando e as estrelas suspensas no céu.
    - Sei disso. Mas como vou saber se meu amor é grande o suficiente?
    - Procure saber se você se entrega, ou se você foge de suas emoções. Mas não faça perguntas como esta porque o amor não é grande nem pequeno; é apenas o amor.
    “Não se pode medir um sentimento como se mede uma estrada. Se você fizer isso, vai começar a comparar com o que lhe contam, ou com o que está esperando encontrar. Desta maneira, sempre vai escutando uma história, ao invés de percorrer seu próprio caminho.”
    posted by iSygrun Woelundr @ 12:55 PM   0 comments
    Alguns exemplos de gente como a gente - paulo coelho
    Eu sou parte da terra

    As guerras entre os conquistadores do Oeste americano e os índios tornavam-se cada vez mais violentas. Pouco antes de morrer, o pai do Cacique Joseph (1840-1904) chamou-o:
    “Meu filho, meu corpo em breve voltará a Mãe Terra”, disse. “Quando eu partir, esta terra é a tua herança. Não estou deixando dinheiro, riquezas, e o poder que agora voce recebe não é motivo de orgulho, mas de responsabilidade. Deixo em tuas mãos o solo em que pisas, e o nosso povo; espero que sejas digno disso. Em breve o homem branco nos cercará por completo, e vai tentar comprar nossa Mãe. Lembre-se que meu corpo está ali, que sou parte Dela”.
    Joseph pegou a mão de seu pai, apertou-a contra seu peito, e prometeu jamais vender a terra.
    O branco tentou comprar, e o cacique não vendeu. Vieram combates cada vez mais sangrentos, e Joseph liderou seu exército contra os soldados americanos. Quando foi capturado, perguntaram porque defendia uma causa perdida.
    “Um homem não vende os ossos de seu pai”, disse o cacique.

    A morte anunciada

    Em meados de 1970, quando estava prestes a completar seu doutorado em física, o cientista Stephen Hawking - já então portador de uma doença que ia paralisando seus movimentos - escutou um médico dizer que tinha apenas dois anos de vida.
    “Então posso tentar entender o Universo, porque não vou mais precisar pensar em coisas como aposentadoria e contas a pagar”, resolveu.
    Como a doença progredia rapidamente, foi obrigado a criar fórmulas simples para explicar - no menor espaço de tempo possível - tudo aquilo que pensava.
    Dois anos e meio se passaram, vinte anos se passaram, e Hawking continua vivo. É capaz de comunicar suas idéias abstratas através de um pequeno computador acoplado a sua cadeira de rodas, e que possui apenas 500 palavras diferentes. Escreveu o clássico “Uma breve história do tempo”(Ed. Rocco), e foi responsável por uma nova visão da Física moderna.
    A doença, ao invés de conduzi-lo a invalidez total, forçou-o a descobrir uma nova maneira de raciocínio.

    Não esqueça os maus

    A seguinte oração foi encontrada entre os pertences pesssoais de um judeu, morto num campo de concentração:
    "Senhor: quando vieres na Tua glória, não te lembres apenas dos homens de boa vontade; lembra-Te também dos homens de má vontade.
    "E, no dia do Julgamento, não Te lembres apenas das crueldades, sevícias, e violências que eles praticaram: lembra-Te também dos frutos que produzimos por causa do que eles nos fizeram. Lembra-Te da paciência, da coragem, da confraternização, da humildade, da grandeza de alma e da fidelidade, que nossos carrascos terminaram por despertar em nossas almas.
    "Permite então, Senhor, que os frutos por nós produzidos possam servir para salvar as almas os homens de má vontade."
    posted by iSygrun Woelundr @ 12:20 PM   0 comments
    O CAMINHO DO ARCO - Paulo Coelho
    Para Leonardo Oiticica, em uma manhã de sol em Saint
    Martin, que depois de me ver praticar kyudo (O caminho
    do arco), me deu a idéia deste texto
    O autor
    Uma oração sem objetivo é como uma flecha sem arco
    Um objetivo sem oração é como um arco sem flecha
    Ella Wheeler Wilcox
    - Tetsuya.
    O rapaz olhou espantado o estrangeiro.
    - Ninguém nesta cidade viu Tetsuya segurando um arco – respondeu. – Todos
    sabemos que ele trabalha em carpintaria.
    - Pode ser que tenha desistido, que tenha se acovardado, isso não me interessa
    – insistiu o estrangeiro. – Mas não pode ser considerado o melhor arqueiro do país, se já
    abandonou sua arte. E por isso viajei tantos dias: para desafia-lo e colocar um ponto final
    em uma fama que já não merece.
    O rapaz viu que não adiantava ficar discutindo: era melhor leva- lo até o
    carpinteiro, para ver com seus próprios olhos que ele estava enganado.
    Tetsuya estava trabalhando na oficina situada nos fundos de sua casa. Virouse
    para ver quem chegava, e seu sorriso foi interrompido no meio. Os olhos se fixaram na
    longa sacola que o estrangeiro carregava consigo.
    - É exatamente o que você está pensando – disse o recém-chegado. – Não vim
    aqui para humilhar nem provocar o homem que virou uma lenda. Apenas gostaria de
    provar que, com todos os meus anos de prática, consegui chegar à perfeição.
    Tetusya fez menção de retornar ao seu trabalho: estava terminando de colocar
    os pés de uma mesa.
    - Um homem que serviu de exemplo para toda uma geração, não pode
    desaparecer como o senhor desapareceu – continuou o estrangeiro. – Segui seus
    ensinamentos, procurei respeitar o caminho do arco, e mereço que me veja atirar. Se fizer
    isso, irei embora e não direi a ninguém onde se encontra o maior de todos os mestres.
    O estrangeiro tirou de sua bagagem um arco longo, feito de bambu
    envernizado, com o punho situado um pouco abaixo do centro. Fez uma reverencia para
    Tetsuya, caminhou até o jardim, e fez outra reverencia para um lugar determinado. Em
    seguida, tirou uma flecha ornada com plumas de águia, abriu as pernas de modo a ter uma
    base sólida para atirar, com uma das mãos trouxe o arco até diante de seu rosto, com a
    outra colocou a flecha.
    O rapaz olhava com um mixto de alegria e espanto. E Tetsuya tinha
    interrompido seu trabalho, olhando o estrangeiro com curiosidade.
    O homem trouxe o arco – já com a flecha presa à corda – até o centro do seu
    peito. Levantou-o acima da cabeça, e a medida que abaixava as mãos, começou a abri- lo.
    Quando chegou com a flecha a altura do seu rosto, o arco já estava
    completamente estendido. Por um momento que pareceu durar uma eternidade, arqueiro
    e arco permaneceram imóveis. O rapaz olhava para o local onde a flecha estava
    apontando, mas não via nada.
    De repente, a mão da corda se abriu, o braço foi empurrado para trás, o arco
    descreveu um giro gracioso na outra mão, e a flecha desapareceu de vista, para tornar a
    aparecer ao longe.
    - Vá pega-la – disse Tetsuya.
    O rapaz voltou com a flecha: ela havia atravessado uma cereja que se
    encontrava no chão, a quarenta metros de distância.
    Tetsuya fez uma reverência para o arqueiro, foi até um canto de sua
    carpintaria, e pegou uma espécie de madeira fina, com curvas delicadas, envolta em uma
    longa tira de couro. Desenrolou a tira sem a menor pressa, e apareceu um arco
    semelhante ao do estrangeiro – com a diferença que parecia ter sido bastante mais usado.
    - Não tenho flechas, e precisarei de uma das suas. Farei o que me pede, mas
    terá que manter a promessa que fez: jamais irá revelar o nome da aldeia onde vivo.
    “Se alguém perguntar por mim, diga que foi até o final do mundo tentando
    encontrar- me, até descobrir que eu tinha sido picado por uma cobra, e morrido dois dias
    depois. “
    O estrangeiro assentiu com a cabeça, e estendeu uma de suas flechas.
    Apoiando uma das extremidades do longo arco de bambu na parede, e fazendo
    um considerável muito esforço, Tetsuya colocou a corda. Em seguida, sem dizer nada,
    saiu em direção as montanhas.
    O estrangeiro e o rapaz o acompanharam. Caminharam por uma hora, até
    chegar a uma fenda entre duas rochas, onde corria um rio caudaloso: o lugar só podia ser
    cruzado através de uma ponte de corda apodrecida, quase despencando.
    Com toda calma, Tetsuya foi até o meio da ponte – que balançava
    perigosamente - fez uma reverência para algo do outro lado, armou o arco da mesma
    maneira que o estrangeiro havia feito, levantou-o, trouxe-o de volta ao peito, e disparou.
    O rapaz e o estrangeiro viram que um pêssego maduro, que se encontrava à
    vinte metros do local, havia sido transpassado pela flecha.
    - Você atingiu uma cereja, eu atingi um pêssego – disse Tetsuya, voltando
    para a segurança da margem. - A cereja é menor.
    “Você atingiu seu alvo a quarenta metros, e o meu estava à metade desta
    distância. Portanto, você tem condições de repetir o que fiz. Venha até aqui o meio desta
    ponte, e faça a mesma coisa.”
    Aterrorizado, o estrangeiro caminhou até o meio da ponte semi-apodrecida,
    mantendo os olhos fixos no despenhadeiro debaixo dos seus pés. Fez os mesmos gestos
    rituais, disparou em direção à arvore de pêssegos, mas a flecha passou muito longe.
    Ao voltar para a margem, seu rosto estava pálido.
    - Você tem habilidade, tem dignidade, e tem postura – disse Tetsuya. –
    Conhece bem a técnica e domina o instrumento, mas não domina sua mente. Sabe atirar
    quando todas as circunstâncias são favoráveis, mas se estiver em um terreno perigoso,
    não consegue atingir o alvo. Ent retanto, nem sempre o arqueiro pode escolher seu campo
    de batalha, de modo que recomece seu treinamento, e esteja preparado para situações
    desfavoráveis.
    “Continue no caminho do arco, pois ele é o percurso de uma vida. Mas
    aprenda que um tiro correto e certeiro é muito diferente de um tiro com a paz na alma. “
    O estrangeiro mais uma vez fez uma longa reverência, colocou seu arco e
    suas flechas na longa sacola que carregava ao ombro, e partiu.
    No caminho de volta, o rapaz estava exultante.
    - Você o humilhou, Tetsuya! Você deve ser mesmo o melhor de todos!
    - Não deveríamos julgar pessoas sem antes aprender a ouvi- las e respeita- las.
    O estrangeiro era um homem bom: não me humilhou, nem tentou provar que era melhor,
    embora desse a impressão de fazer isso. Queria mostrar sua arte, e vê-la reconhecida,
    mesmo que desse a impressão de estar me desafiando.
    “Além do mais, faz parte do caminho do arco enfrentar de vez em quando
    algumas provas inesperadas, e foi justamente o que o estrangeiro me permitiu fazer hoje”.
    - Ele disse que você era o melhor de todos, e eu nem sabia que você era um
    mestre no tiro com arco. Se é assim, por que trabalha em uma carpintaria?
    - Porque o caminho do arco serve para tudo, e meu sonho era trabalhar com
    madeira. Alem do mais, um arqueiro que segue este caminho não precisa de arco, nem de
    flecha, nem de alvo.
    - Nada de interessante acontece nesta aldeia, e de repente eu me dei conta que
    estou diante de um mestre em uma arte que ninguém se interessa mais – disse o rapaz,
    com os olhos brilhando. – O que é o caminho do arco? Você pode me ensinar?
    - Ensinar não é difícil. Posso fazer isso em menos de uma hora, enquanto
    caminhamos de volta ao vilarejo. O difícil é praticar todos os dias, até conseguir a
    precisão necessária.
    Os olhos do rapaz pareciam implorar uma resposta positiva. Tetsuya andou
    em silencio por quase quinze minutos, e quando tornou a falar, sua voz parecia mais
    jovem:
    - Hoje estou contente: honrei o homem que, há muitos anos atrás, salvou
    minha vida. Por causa disso, lhe darei todas as regras necessárias, mas não posso fazer
    nada além disso: se você entender o que estou dizendo, poderá usar estes ensinamentos
    para o que desejar.
    “Há poucos minutos, você me chamou de mestre. O que é um mestre? Pois eu
    lhe respondo: não é aquele que ensina algo, mas aquele que inspira o aluno a dar o
    melhor de si para descobrir um conhecimento que ele já tem em sua alma. “
    E enquanto desciam a montanha, Tetsuya explicou o caminho do arco.
    OS ALIADOS
    O arqueiro que não compartilha com outros a alegria do arco e da flecha,
    jamais irá conhecer suas próprias qualidades e defeitos.
    Portanto, antes de começar qualquer coisa, busque aliados – gente que se
    interessa pelo você está fazendo.
    Não digo: “busque outros arqueiros.” Digo: encontre pessoas com diferentes
    habilidades, porque o caminho do arco não é diferente de qualquer caminho seguido com
    entusiasmo.
    Seus aliados não serão necessariamente aquelas pessoas que todos olham, se
    deslumbram, e afirmam: “ não existe ninguém melhor.” Muito pelo contrário: é gente
    que não tem medo de errar, e portanto erra. Por causa disso, nem sempre seu trabalho é
    reconhecido. Mas é este tipo de pessoa que transforma o mundo, e depois de muitos erros
    consegue acertar algo que que fará a diferença completa na sua comunidade.
    São pessoas que não podem ficar esperando que as coisas aconteçam, para
    depois poderem decidir qual a melhor atitude a tomar: elas decidem a medida que agem,
    mesmo sabendo que isso pode ser muito arriscado.
    Conviver com estas pessoas é importante para um arqueiro, porque ele precisa
    entender que, antes de colocar-se diante do alvo, deve ser livre o bastante para mudar de
    direção a medida que traz a flecha para diante do seu peito. Quando ele abre sua mão e
    solta a corda, , deve dizer para si mesmo: “ enquanto abria o arco, percorri um longo
    caminh. Agora solto esta flecha com a consciência de que arrisquei o bastante, e dei o
    melhor de mim. “
    Os melhores aliados são aqueles que não pensam como os outros. Por isso,
    ao buscar companheiros para dividir com você o entusiasmo do tiro, acredite na sua
    intuição, e não ligue para os comentários alheios. As pessoas sempre julgam os outros
    tendo como modelo suas própria limitações – e as vezes a opinião da comunidade é cheia
    de preconceitos e medos.
    Junte-se a todos que experimentam, arriscam, caem, se machucam, e tornam a
    arriscar. Afaste-se daqueles que afirmam verdades, criticam os que não pensam como
    eles, jamais deram um passo sem ter certeza de que seriam respeitados por isso, e
    preferem ter certezas do que ter dúvidas..
    Junte-se aos que se expõem e não temem ser vulneráveis: esses entendem que
    as pessoas só podem melhorar quando olham o que seu próximo está fazendo, não para
    julga- lo, mas para admira-lo por sua dedicação e coragem.
    Talvez você pense que atirar com o arco não pode interessar a um padeiro ou
    a um agricultor, mas eu lhe digo: eles colocarão o que viram naquilo que estão fazendo.
    Você também fará o mesmo: aprenderá com o bom padeiro como usar usar as mãos, e
    como saber a exata mistura dos ingredientes. Aprenderá com o agricultor a ter paciência,
    trabalhar duro, respeitar as estações, e não blasfemar contra as tempestades – porque isso
    seria uma perda de tempo.
    Junte-se aos que são flexíveis como a madeira do seu arco, e entendem os
    sinais do caminho. São pessoas que não hesitam em mudar de curso quando descobrem
    uma barreira intransponível, ou quando vislumbram uma oportunidade melhor. Essas é a
    qualidade da água: contornar rochas, adaptar-se ao curso do rio, as vezes transformar-se
    em lago até que a depressão esteja cheia e possa continuar seu caminho, porque a água
    não esquece que seu destino é o mar, e mais cedo ou mais tarde deverá chegar até ele.
    Junte-se aos que jamais disseram: “acabou, preciso parar por aqui.” Porque
    assim como o inverno é seguido pela primavera, nada pode acabar: depois de atingir seu
    objetivo é necessário recomeçar de novo, sempre usando tudo que aprendeu no caminho.
    Junte-se aos que cantam, contam histórias, desfrutam a vida, e tem alegria nos
    olhos. Porque a alegria é contagiosa, e sempre consegue impedir que as pessoas se
    deixem paralisar pela depressão, pela solidão, e pelas dificuldades. .
    Junte-se à todos que fazem seu trabalho com entusiasmo. Mas para que você
    possa ser útil a eles como eles são úteis a você, é preciso saber quais são as suas
    ferramentas, e como poderá aperfeiçoar suas habilidades.
    Portanto, é chegada a hora de conhecer seu arco, sua flecha, seu alvo, e seu
    caminho.
    O ARCO
    O arco é a vida: dele vem toda a energia.
    A flecha irá partir um dia.
    O alvo está longe.
    Mas o arco permanecerá sempre com você, e é preciso saber cuida-lo.
    Precisa de períodos de inação – um arco que sempre está armado, em estado
    de tensão, perde sua potência. Portanto, deixe-o repousar, recuperar sua firmeza: assim,
    quando você esticar a corda, ele estará contente e com sua força intacta.
    O arco não tem consciência: ele é um prolongamento da mão e do desejo do
    arqueiro. Serve para matar ou para meditar. Portanto, seja sempre claro em suas
    intenções.
    Um arco tem flexibilidade, mas também tem um limite. Um esforço além da
    sua capacidade irá quebra- lo, ou deixar exausta a mão que o segura. Portanto, procure
    estar em harmonia com o seu instrumento,e não exigir mais do que ele pode lhe dar.
    Um arco está repousando ou estendido na mão do arqueiro: mas a mão é
    apenas o lugar onde todos os músculos do corpo, todas as intenções daquele que atira,
    todo o esforço para o tiro está concentrado. Portanto, para manter com elegância o arco
    aberto, faça com que cada parte dê apenas o necessário, e não disperse suas energias.
    Assim, você poderá disparar muitas flechas sem se cansar.
    Para entender seu arco, ele precisa passar a fazer parte do seu braço, e ser uma
    extensão do seu pensamento.
    A FLECHA
    A flecha é o intento.
    É o que une a força do arco com o centro do alvo.
    O intento tem que ser cristalino, reto, bem equilibrado.
    Uma vez que ela parte, não voltará, então é melhor interromper um tiro –
    porque os movimentos que o levaram até ele não estavam precisos e corretos – do que
    agir de qualquer maneira, só porque o arco já estava retesado e o alvo estava esperando.
    Mas jamais deixe de soltar a flecha se a única coisa que o paralisa é o medo de
    errar. Se fizer os movimentos corretos, abra sua mão e solte a corda. Mesmo que ela não
    atinja o alvo, você saberá corrigir sua pontaria da próxima vez.
    Se não arriscar, jamais saberá quais as mudanças que eram necessárias. .
    Cada flecha deixa em seu coração uma lembrança – e é a soma destas
    lembranças que o fará disparar cada vez melhor.
    O ALVO
    O alvo é o objetivo a ser alcançado.
    Foi escolhido pelo arqueiro, mas está distante, e não podemos jamais culpa-lo
    quando não é atingido. Nisso reside a beleza do caminho do arco: você não pode jamais
    desculpar-se, dizendo que o adversário era mais forte.
    Foi você que escolheu seu alvo, e é responsável por ele.
    O alvo pode ser maior, menor, estar a direita ou a esquerda, mas você tem que
    sempre colocar-se diante dele, respeita-lo, e fazer com que ele se aproxime mentalmente.
    Só quando ele estiver na ponta de sua flecha, é que você deve soltar a corda.
    Se você olhar o alvo como inimigo, poderá até mesmo acertar o seu tiro, mas
    não conseguirá melhorar nada em você mesmo. Passará sua vida tentando colocar apenas
    uma flecha no centro de uma coisa de papel ou madeira, o que é absolutamente inútil. E
    quando estiver com outras pessoas, viverá reclamando que não faz nada de interessante.
    Por isso, você precisa escolher seu alvo, dar o melhor de si para atingi- lo, e
    sempre olha- lo com respeito e dignidade: precisa saber o que o que ele significa, e
    quanto custou do seu esforço, do seu treinamento, da sua intuição.
    Ao olhar o alvo, não se concentre apenas nele, mas em tudo que acontece ao
    seu redor: porque a flecha, ao ser disparada, irá encontrar-se com fatores que você não
    conta, como o vento, o peso, a distancia.
    Você tem que entender o alvo. Precisa perguntar constantemente: “se eu sou
    o alvo, onde estou? Como gostaria de ser atingido, de modo a dar ao arqueiro a honra que
    ele merece?”
    Porque um alvo só existe na medida em que o arqueiro existe. O que justifica
    a sua existência é o desejo do arqueiro de atingi-lo - ou ele seria uma coisa morta, um
    pedaço de papel ou madeira, em que ninguém prestaria atenção.
    Assim, da mesma maneira que a flecha busca o alvo, o alvo também busca a
    flecha, porque é ela que dá sentido a sua existência: já não é mais o papel, mas o centro
    do mundo de um arqueiro.
    A POSTURA
    Uma vez entendendo o arco, a flecha, e o alvo, é preciso ter serenidade e
    elegância para aprender a prática do tiro.
    A serenidade vem do coração. Embora muitas vezes torturado por
    pensamentos de insegurança, ele sabe que - através da postura correta – irá conseguir o
    melhor de si.
    A elegância não é uma coisa superficial, mas a maneira que o homem
    encontrou para honrar a vida e o seu trabalho. Por isso, quando as vezes você sentir que a
    postura o está incomodando, não pense que ela é falsa ou artificial: ela é verdadeira
    porque é difícil. Ela faz com que o alvo se sinta honrado pela dignidade do arqueiro.
    A elegância não é a postura mais confortável, mas a postura mais adequada
    para que o tiro seja perfeito.
    A elegância é atingida quando todo o supérfluo é descartado, e o arqueiro
    descobre a simplicidade e a concentração: quanto mais simples e mais sóbria a postura,
    mais bela ela será.
    A neve é bonita porque tem apenas uma cor, o mar é bonito porque parece
    uma superfície plana – mas tanto o mar como a neve são profundos e conhecem suas
    qualidades.
    COMO SEGURAR A FLECHA
    Segurar a flecha é estar em contacto com a sua intenção.
    É preciso olhar todo seu comprimento, ver se as plumas que guiam seu vôo
    estão bem colocadas, verificar a ponta, ter certeza de que ela está afiada. Certificar-se que
    está reta, não foi curvada ou danificada por um tiro anterior.
    A flecha, como sua simplicidade e leveza, pode parecer frágil – mas a força do
    arqueiro faz com que ela consiga carregar para longe a energia de seu corpo e de sua
    mente. Conta a lenda que uma simples flecha já foi capaz de afundar um navio, porque o
    homem que a atirou sabia onde estava a parte mais fraca da madeira, e assim abriu um
    buraco que fez com que a água penetrasse sem ruído no porão, destruindo a ameaça dos
    invasores de sua aldeia.
    A flecha é a intenção que deixa a mão do arqueiro, e parte em direção ao alvo
    – portanto, ela é livre em seu vôo, e irá seguir o caminho que lhe foi destinado no
    momento do tiro.
    Será tocada pelo vento e pela gravidade, mas isso é parte do seu percurso:
    uma folha não deixa de ser folha só porque uma tempestade a arrancou da árvore.
    Assim é a intenção do homem: perfeita, reta, afiada, firme, precisa. Ninguém
    consegue dete- la enquanto cruza o espaço que a separa do seu destino.
    COMO SEGURAR O ARCO
    Tenha calma e respire profundamente.
    Todos os movimentos estão sendo notados pelos aliados, que o ajudarão no
    que for necessário.
    Mas não esqueça que o adversário também está observando, e conhece a
    diferença entre a mão firme e a mão tremula: portanto, se estiver tenso, respire fundo,
    porque isso o ajudará a concentrar-se em todas as etapas do tiro.
    No momento em que você segura seu arco e o coloca – com elegância –
    diante do corpo, procure rever mentalmente cada etapa que o levou a preparar o disparo.
    Mas faça isso sem tensão, porque é impossível ter todas as regras na cabeça: e com o
    espírito tranqüilo, a medida em que revê cada etapa, irá dar-se conta dos momentos mais
    difíceis, e de como os superou.
    Isso lhe dará confiança, e sua mão não tremerá mais.
    COMO ESTENDER A CORDA
    O arco é um instrumento de musica, e é na corda que o seu som se manifesta.
    A corda é grande, mas a flecha a toca apenas em um pequeno ponto, e é neste
    ponto que toda a sabedoria e experiência do arqueiro deve estar concentrada.
    Se ele inclinar-se um pouco para a direita, ou um pouco para a esquerda, se
    este ponto estiver acima ou abaixo da linha de tiro, o objetivo jamais será alcançado.
    Portanto, ao estender a corda, seja como o músico que toca seu instrumento.
    Na música, o tempo é mais importante que o espaço: um bando de notas colocadas em
    linha não quer dizer nada, mas aquele que lê o que ali está escrito consegue transformar
    esta linha em sons e compassos.
    Assim como o arqueiro justifica a existência do alvo, a flecha justifica a
    existência do arco: você pode lançar uma flecha com a mão, mas um arco sem flecha não
    tem qualquer utilidade.
    Portanto, quando abrir os braços, não pense que você está esticando o arco.
    Pense que a flecha é o centro, imóvel, e você esta fazendo com que o arco e a corda se
    aproximem de suas extremidades, tocando-a com cuidado, pedindo para que coopere com
    você.
    COMO OLHAR O ALVO
    Muitos arqueiros se queixam que, apesar de praticarem por anos a arte do tiro,
    ainda sentem o coração disparar de ansiedade, a mão tremer, a pontaria falhar. Eles
    precisam entender que um arco ou uma flecha não podem mudar nada – mas a arte do
    tiro faz com que nossos erros sejam mais evidentes.
    No dia que você estiver sem amor pela vida, seu tiro será confuso,
    complicado. Verá que está sem força suficiente para esticar ao máximo a corda, que não
    consegue fazer o arco curvar-se como deve.
    E ao ver que seu tiro é confuso naquela manhã, vai tentar descobrir o que
    provocou tamanha imprecisão: isso fará com que se enfrente com um problema que o
    incomoda, mas que até então encontrava-se oculto.
    O contrario também acontece: seu tiro é seguro, a corda soa como o
    instrumento musical, os pássaros cantam ao redor. Então você percebe que está dando o
    melhor de si mesmo.
    Entretanto, não se deixe levar pelos tiros da manhã, sejam eles precisos ou
    inseguros. Ainda existem muitos outros dias pela frente, e cada flecha é uma vida em si.
    Aproveite os maus momentos para descobrir o que o faz tremer. Aproveite os
    bons momentos para encontrar seu caminho até a paz interior.
    Mas não pare por temor nem por alegria: o caminho do arco é um caminho
    sem fim.
    O MOMENTO DE DISPARAR
    Existem dois tipos de tiro.
    O primeiro é aquele que é dado com precisão, mas sem alma. Neste caso,
    embora o arqueiro tenha um grande domínio da técnica, ele concentrou-se
    exclusivamente no alvo – e por causa disso não evoluiu, tornou-se repetitivo, não
    conseguiu crescer, e um dia irá deixar o caminho do arco, porque acha que tudo
    transformou-se em rotina.
    O segundo tiro é o que é dado com a alma. Quando a intenção do arqueiro se
    transforma no vôo da flecha, sua mão abre no momento certo, o som da corda faz os
    pássaros cantarem, e o gesto de atirar alguma coisa à distancia provoca – paradoxalmente
    – um retorno e um encontro consigo mesmo.
    Você sabe o esforço que custou para abrir o arco, respirar direito, concentrarse
    em seu objetivo, ter clara sua intenção, manter a elegância da postura, respeitar o alvo.
    Mas precisa também compreender que nada neste mundo fica conosco por
    muito tempo: em um dado momento sua mão terá que se abrir, e deixar que sua intenção
    siga seu destino.
    Portanto, a flecha tem que partir, por mais que você ame todos os passos que o
    levaram até à postura elegante e à intenção correta, e por mais que você admire suas
    plumas, sua ponta, sua forma.
    Mas ela não pode sair antes do arqueiro estar pronto para o disparo, porque
    seu vôo seria pequeno. Ela não pode sair depois de se ter atingido a postura e a
    concentração exatas, porque o corpo não resistiria ao esforço e a mão começaria a tremer.
    Ela tem que partir no momento em que o arco, o arqueiro, e o alvo se
    encontram no mesmo ponto do universo: isso é chamado de inspiração.
    A REPETIÇAO
    O gesto é a encarnação do verbo: ou seja, uma ação é um pensamento que se
    manifesta.
    Um pequeno gesto nos denuncia, de modo que temos que aperfeiçoar tudo,
    pensar nos detalhes, aprender a técnica de tal maneira que ela se torne intuitiva. Intuição
    nada tem a ver com rotina, mas com um estado de espírito que está além da técnica.
    Assim, depois de muito praticar, já não pensamos em todos os movimentos
    necessários: eles passam a fazer parte de nossa própria existência. Mas para isso, é
    preciso treinar, repetir.
    E como se não bastasse, é preciso repetir e treinar.
    Observe um bom ferreiro trabalhando o aço. Para o olhar destreinado, ele está
    repetindo as mesmas marteladas.
    Mas quem conhece o caminho do arco, sabe que cada vez que ele levanta o
    martelo e o faz descer, a intensidade do golpe é diferente. A mão repete o mesmo gesto,
    mas a medida que se aproxima do ferro, ela compreende se deve toca- lo com mais
    dureza ou mais suavidade.
    Assim é com a repetição: embora pareça a mesma coisa, ela é sempre distinta .
    Observe o moinho. Para quem olha suas pás apenas uma vez, ele parece girar
    com a mesma velocidade, repetindo sempre o mesmo movimento.
    Mas aquele que conhece os moinhos sabe que eles estão condicionados ao
    vento, e mudam de direção sempre que isso é necessário.
    A mão do ferreiro foi educada depois que ele repetiu milhares de vezes o
    gesto de martelar. As pás do moinho são capazes de se moverem com velocidade depois
    que o vento soprou muito, e fez com que suas engrenagens ficassem polidas.
    O arqueiro permite que muitas flechas passem longe do seu objetivo, porque
    sabe que só irá aprender a importância do arco, da postura, da corda, e do alvo, depois
    que repetir seus gestos milhares de vezes, sem medo de errar.
    E os verdadeiros aliados jamais o criticarão, porque sabem que o treinamento
    é necessário, é a única maneira de aperfeiçoar seu instinto e seu golpe.
    Até que chega o momento em que não é mais preciso pensar no que se está
    fazendo. A partir daí, o arqueiro passa a ser seu arco, sua flecha, e seu alvo.
    COMO OBSERVAR O VÔO DA FLECHA
    Uma vez que a flecha foi disparada, já não há mais nada que o arqueiro possa
    fazer, a não ser acompanhar o seu percurso em direção ao alvo. A partir deste momento, a
    tensão necessária para o tiro já não tem mais razão para existir.
    Portanto, o arqueiro mantem os olhos fixos no vôo da flecha, mas seu coração
    repousa, e ele sorri.
    A mão que soltou a corda é empurrada para trás, a mão do arco faz um
    movimento de expansão, o arqueiro é forçado a abrir os braços e enfrentar, de peito
    aberto, o olhar de seus aliados e de seus adversários.
    Neste momento, se treinou o bastante, se conseguiu desenvolver seu instinto,
    se manteve a elegância e a concentração durante todo o processo do disparo, ele sentirá a
    presença do universo, e verá que sua ação foi justa e merecida.
    A técnica faz com que as duas mãos estejam prontas, que a respiração seja
    precisa, que os olhos possam fixar o alvo. O instinto faz com o momento do disparo seja
    perfeito.
    Quem passar por perto e ver o arqueiro de braços abertos, com os olhos
    acompanhando a flecha, irá achar que está parado. Mas os aliados sabem que a mente de
    quem fez o disparo mudou de dimensão, está agora em contacto com todo o universo: ela
    continua trabalhando, aprendendo tudo o que aquele disparo trouxe de positivo,
    corrigindo os eventuais erros, aceitando suas qualidades, esperando para ver como o alvo
    reage ao ser atingido.
    Quando o arqueiro estica a corda, pode ver o mundo inteiro dentro do seu
    arco. Quando acompanha o vôo da flecha, este mundo se aproxima dele, o acaricia, e faz
    com que tenha a sensação perfeita do dever cumprido.
    Cada flecha voa de maneira diferente. Atire mil flechas, cada uma irá lhe
    mostrar um percurso distinto: esse é o caminho do arco.
    O ARQUEIRO SEM ARCO, SEM FLECHA, SEM ALVO
    O arqueiro aprende quando esquece as regras do caminho do arco, e passa a
    agir baseado apenas no seu instinto. Entretanto, para esquecer as regras, é preciso saber
    respeita- las e conhece-las.
    Quando ele atinge este estado, já não precisa dos instrumentos que o fizeram
    aprender. Já não precisa do arco, nem das flechas, nem do alvo – porque o caminho é
    mais importante que aquilo que o levou a caminhar.
    Da mesma maneira, o aluno que está aprendendo a ler chega ao momento em
    que se liberta das letras isoladas. e passa a criar palavras com elas.
    Entretanto, se as palavras estivessem todas unidas, elas não fariam sentido, ou
    complicariam muito o seu entendimento: é necessário que existam espaços entre as
    palavras.
    É necessário que, entre uma ação e a próxima, o arqueiro relembre tudo que
    fez, converse com seus aliados, descanse e fique contente com o fato de estar vivo.
    O caminho do arco é o caminho da alegria e do entusiasmo, da perfeição e do
    erro, da técnica e do instinto.
    Mas você só irá aprende-lo a medida que for atirando suas flechas.
    Quando Tetsuya parou de falar, já estavam na porta da carpintaria.
    - Obrigado pela companhia – disse ao rapaz.
    Mas este não se moveu.
    - Como posso saber se estou agindo certo? Como terei certeza de que tenho o
    olhar concentrado, a postura elegante, o arco seguro de maneira correta?
    - Mentalize a idéia de um mestre perfeito sempre ao seu lado, e faça tudo para
    reverencia-lo e honrar seus ensinamentos. Este mestre, que muitos chamam de Deus,
    outros chamam de “a coisa”, outros chamam de talento, está sempre ali nos olhando. Ele
    merece que o melhor.
    “Lembre-se também dos seus aliados: você tem que apóia-los, porque eles lhe
    ajudarão nos momentos em que estará precisando. Procure desenvolver o dom da
    bondade: este dom lhe permite estar sempre em paz com seu coração. Mas sobretudo não
    esqueça: o que lhe falei são talvez palavras inspiradas, mas só terão sentido se você as
    experimentar.
    Tetsuya estendeu a mão para despedir-se, mas o rapaz pediu:
    - Só mais uma coisa: como foi que aprendeu a atirar?
    Tetsuya refletiu um pouco: valia a pena contar? Mas como aquele tinha sido
    um dia especial, terminou abrindo a porta de sua oficina.
    - Vou preparar um chá. E vou contar a história – mas você terá que prometer a
    mesma coisa que eu pedi que o estrangeiro me prometesse: jamais comentar com
    ninguém sobre minha habilidade.
    Entrou, acendeu a luz, tornou a envolver seu arco com a longa tira de couro, e
    colocou-o em um lugar discreto: se alguém o achasse por acaso, iria pensar que era
    apenas um pedaço de bambu retorcido. Foi até a cozinha, preparou o chá, sentou-se com
    o rapaz, e começou sua história.
    - Eu trabalhava para um grande senhor das redondezas: era encarregado de
    cuidar dos seus estábulos. Mas como o senhor viajava sempre, e meu tempo livre era
    enorme, resolvi me dedicar ao que considerava a verdadeira razão de viver: bebida e
    mulheres.
    “Um belo dia, depois de várias noites em claro, senti uma vertigem e cai no
    meio do campo. Achei que ia morrer, e entreguei-me. Mas um homem que jamais tinha
    visto passou pela estrada, amparou-me, levou- me até sua casa – em um lugar muito
    distante daqui – e cuidou de minha saúde durante meses seguidos. Enquanto repousava,
    eu o via todas as manhãs ir para o campo com seu arco e suas flechas.
    “Quando me senti recuperado, pedi que me ensinasse a arte do arco – era
    muito mais interessante que cuidar de cavalos. Ele me disse, entretanto, que minha morte
    tinha se aproximado muito, e agora não podia faze- la recuar: ela estava a dois passos de
    mim, eu já havia causado muito dano a meu corpo físico.
    “ Se eu quisesse aprender, era apenas para que minha morte não me
    tocasse. Um homem de um país distante, do outro lado do oceano, havia lhe ensinado que
    era possível desviar por algum tempo o caminho até o precipício da morte. Mas no meu
    caso , pelo resto de meus dias, eu precisava ter consciência de que estava caminhando à
    beira deste abismo, e podia cair nele a qualquer momento.
    “Ensinou-me então o caminho do arco. Apresentou-me aos seus aliados,
    obrigou- me a participar de competições, e logo minha fama se espalhou por todo o país.
    Quando viu que eu já aprendera o suficiente, retirou minhas flechas, meu alvo, deixando
    apenas o arco como lembrança. Disse que eu usasse todo aqueles ensinamentos para fazer
    algo que realmente me enchesse de entusiasmo.
    “Eu comentei que a coisa que mais gostava era a carpintaria. Ele me
    abençoou, pediu que eu partisse e me dedicasse ao que gostava de fazer, antes que minha
    fama como arqueiro terminasse por me destruir, ou me levasse de volta à antiga vida.
    “ Desde então, travo todos os segundos uma luta contra meus vícios e
    minha auto-piedade. Preciso estar concentrado, manter a calma, fazer com amor o
    trabalho que escolhi, e jamais ter apego ao momento presente. Porque a morte continua
    ainda muito próxima, o abismo está do lado, e eu caminho pela sua borda.”
    Tetsuya não disse que a morte está sempre perto todos os seres vivos: o
    rapaz era ainda muito jovem, e não precisava ficar pensando nisso. Tetsuya tampouco
    disse que cada etapa do caminho do arco estava presente em qualquer atividade humana.
    Apenas abençoou o rapaz, da mesma maneira que tinha sido abençoado há
    muitos anos, e pediu que fosse embora, porque tinha sido um longo dia, e precisava
    dormir.
    AGRADECIMENTOS
    Herve Louit e Didier Faure, por me terem aberto o caminho do arco.
    Harrigel , pelo livro “Zen e a arte cavalheiresca do tiro com arco” (Ed.
    Pensamento)
    Pamela Hartigan, diretora geral da Schwab Foudation for Social
    Entrepreneurship: por descrever as qualidades dos aliados.
    Dan e Jackie DeProspero pelo livro sobre Onuma-san, “Kyudo”( Budo
    Editions, France).
    Carlos Castaneda, pela descrição do encontro da morte com o nagual Elias.
    posted by iSygrun Woelundr @ 11:18 AM   0 comments
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